terça-feira, 31 de julho de 2007

Fim de tarde perfeito I

O imenso azul do mar, o sol a caminhar lentamente para o descanso merecido - nos últimos dias tem trabalhado muito - uma suave brisa marinha, um golfinho a saltar na baía, uns frutos do mar, uma cerveja bem geladinha e um disco de Maria Bethânea, em fundo.
Pode ou não explodir o coração, de amor ou de dor, mas de certeza que explode de emoção... é quase um sonho; a voz de Maria Bethânea misturada com os sussurros das ondas. Combinam tão bem em qualquer registo!
Fecha a tarde na perfeição se houver uma companhia física, que se pode tocar, abraçar, sentir que se cola à pele... e qualquer canção da diva pode ajudar a fechar melhor este mês de Julho.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Vontade de telefonar...


Eu - Olá! Tudo bem?
A minha amiga - Olha porque é que me estás a telefonar, apressadinha? Ainda não nasci!
...
Eu - Olha... mas podemos ser amigas, está bem?
A minha amiga - Podemos, claro, quando eu nascer... Agora nem sei como é que conseguiste ligação...
Eu - Sentaram - me aqui (para tirar uma fotografia) e disseram-me para telefonar para quem quisesse. Ainda pensei no Pai Natal, mas já lhe mandei uma carta e não me parece que ele tenha tempo para atender o telefone e pensei ligar para ti... nós somos amigas...
A minha amiga - ... vamos ser, querida... quando eu nascer...
Eu - E ainda falta muito... para tu nasceres? O que é nascer?
A minha amiga - É uma coisa que tu já fizeste, acho que é muito bonito... Não te lembras?
Eu - Eu só me lembro de estar aqui, na casa dos avós Pestana, e na casa dos meus pais, e nos meus avós, em Sesimbra e em Vendas Novas... E só aqui é que há telefone...
A minha amiga - ... Não te preocupes, havemos de ser amigas e vamos encontrar-nos, depois de eu nascer... um dia!
Eu - Mas olha, só aqui é que há telefone.. e quando tu nasceres, para onde te telefono? E quando é que tu vais nascer? E quando vamos brincar? E como me vais telefonar, se não tens o número? A minha amiga - Um dia destes, talvez no ano que vem, ou no outro... Não te preocupes, vamos encontrar-nos... um dia, prometo!
Eu - Está bem. E eu vou guardar a fotografia que o meu pai acabou de tirar, para te mostrar. Beijinhos

Paraíso a preto e branco


Aqui me reencontro quando preciso de lavar a alma. Ainda me lembro da paisagem original, deste preto e branco tão colorido no meus olhos de menina, quando tudo me parecia ainda muito maior. Aqui me deixo embalar pelas ondas que ainda parecem querer embalar o meu soninho e os meus sonhos também...
Aqui sinto uma paz envolvente, protectora, comovente. Aqui, ainda consigo ouvir vozes de outros tempos, sussurros de ternura, recados de amor.
Nesta praia construí mil castelos de areia e outros mil barcos que nunca vão navegar. Nesta praia deliciei-me com o canto das gaivotas, reguei castelos e barquinhos - para que nunca secassem debaixo do sol escaldante de Agosto - como quem rega sonhos.
Os meus castelos - de areia - foram tomados pela força natural das águas. Os meus barcos naufragaram p'la minha inocência de menina. Os meus sonhos cresceram e alguns frutificaram, pela força de uma esperança que os sussurros do mar embalaram juntamente com a minha meninice feliz.
Nesta praia, fui princesa de todos os mares, companheira e cúmplice de todos os espadartes de Sesimbra; com eles cavalguei ondas de sonho e (quase sem êxito) ondas de verdade. Nesta praia apanhei conchinhas e búzios com o meu avô, fiz bolos de areia para os peixinhos da baía e para as ondas que os devoravam com muito apetite e satisfação.
Nesta praia, no tempo em que ainda era a preto e branco, tropecei em quinhentas "pitas" e outros tantos anzóis, encantei-me com as histórias de verdade dos "velhos" pescadores, ouvi muitas vezes o relato triste do ciclone de 1941 e de outras tragédias que envolveram homens e barcos desta Sesimbra, que tanto me encanta e comove.
Nesta praia, a preto a branco, aprendi que as cores estão nos nossos olhos, aprendi que a razão nem sempre é justa e aprendi ainda - e muito - que vale sempre a pena lutar; quando a alma não é pequena e o sonho também!
Nesta praia, vi homens "varados" pela força das águas chorarem em terra firme e segura, homens de rosto duro - bronzeado de sol e de mar - salgado e tão doce, desfazerem-se em lágrimas só de pensar na tormenta passada; os mesmos homens que me diziam que o mar vale a pena, mesmo quando nos faz chorar.
Nesta praia, sou mais eu, mais forte... mesmo quando a saudade fala mais alto. Nesta praia de todas as cores, alimento-me de mar, paisagem e emoções e continuo - ainda mais - a acreditar...

Foto Mestre Cabecinha

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Porque e também porque sim

Um poema de uma Sofia maior para uma outra Sofia (a crescer) poetisa ainda envergonhada, de pena muito criativa, com grande sentido de justiça, lealdade, fraternidade, solidariedade, e muita, muita amizade. Uma outra Sofia que traz no olhar as cores da terra quente de Angola (que a viu nascer), que tão bem sabe abraçar causas e pessoas, incondicionalmente... porque sim!Porque a Sofia sabe bem que os afectos, a confiança, a dignidade e o respeito - e tudo o que de melhor existe em cada ser humano - não se compram, nem se vendem! São presentes do céu, embrulhados em afecto.
Um poema de uma outra Sofia e um beijo meu no coração

Adelaidocas

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


Sofia de Mello Breyner Andresen


Versão musicada e cantada por Francisco Fanhais
http://www.youtube.com/watch?v=HvZR232Uieg

domingo, 22 de julho de 2007

Coração de menino

O sorriso do Abílio permite avaliar o coração grande, tão grande, que tem sempre espaço para mais alguém se instalar confortavelmente. O brilho dos olhos é o reflexo da alma, as palavras do Abílio são poemas de rima fácil com afecto, os abraços e os beijos são castos e de muito açúcar, de um doce especial que só engorda - saudavelmente - a auto estima.
Já não me recordo há quanto tempo o Abílio passou a fazer parte do meu mundo de afectos. Sinto que o conheço desde sempre, sinto que gosto dele desde que o conheci. O Abílio é um homem de família e o perfeito exemplo de que as famílias não são apenas feitas de genes, cromossomas e adn's semelhantes, são também - e muito - de afectos. O Abílio é um avôzinho, um tio muito especial que todos nós gostamos de sentir também nosso, o amigo de todos os dias. O Abílio é um senhor crescido e tem a generosidade de um menino, é um ser humano encantador que ajuda a acreditar num mundo melhor.
Conheço bem uma equipa onde o Abílio "adoptou" "quarentinhos", "trintinhos" e "vintinhos". Todos os dias, ao fim do dia, quando o Abílio chega, traz docinhos, bolinhos e muitos miminhos. Quando alguém faz anos, o Abílio traz bolos especiais de aniversário.
Por convicção, o Abílio é uma águia que nos pousa suavemente também na alma. Por convicção também, o Abílio tem um coração vermelho de vida e de solidariedade que bate mais apressadito quando joga o Glorioso. Este Amigo é um militante dos afectos e das outras causas nobres.
O olhar entornado de ternura de Maria Luísa espelha bem a cumplicidade, o respeito e o amor que os une. Um mesmo olhar que se descobre em cada membro da família que já vai na terceira geração; família de que fazem parte também, pela generosidade imensa do Abílio, os "quarentinhos", os "trintinhos" e os "vintinhos" que ele sabe tão bem mimar. E eu comovo-me de ternura e felicidade por ser uma das "quarentinhas" que a bondade do Abílio escolheu.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Fim de tarde perfeito


Um poema de Eufrásio Filipe e uma fotografia de um barco. Não é um barco qualquer... é uma réplica, em miniatura, de um barco tipico de Sesimbra, feita na perfeição, pelas mãos habilidosas do meu pai. Acho que este barco tem quase tantos anos como eu, ou se calhar até é mais velho.
Só me falta agora ver o mar, ou entrar nele, a bordo deste barco, desta barca... Neste fim de tarde deixo-me ir, porque os sonhos deixam - me ir onde eu quiser, no barco do meu pai. Os sonhos levam-me onde eu quiser, o meu pai deixa-me conduzir a embarcação e acredita no meu sonho.

Mais leves que destino

Regressámos a pé no sossego da água
mas deixámos na praia um rasto cúmplice
de vento longínquo
alguns sinais de algas
recados e um desejo de repartir sementes

Talvez por isso cheirem a maresia
os poros deste chão
e os nossos lábios soltem pássaros generosos

Tallvez por isso tivessemos regressado
pelas dunas inconsistentes
e finalmente nos descobrissemos
nus e criadores
a voar num império de areias

Hoje quase compreendemos
porque são as aves mais leves
que o seu destino

Eufrásio Filipe in Mar Arável

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Cheiros

Cheira a terra molhada, a terra saciada de água. A terra estava quente, muito quente. A nuvem passageira, carregadinha de água, apagou-lhe lentamente o fogo e seguiu. Parece um pedaço gigante de algodão, muito branca, contornos assimétricos que lembram cabelos ao vento.
Este cheirinho a terra molhada faz-me bem. Gosto tanto deste aroma e não explicar a que cheira. Mas faz-me bem. Lava-me a alma, acalma-me as saudades que não tardam em voltar.
Está um tempo fresquinho e mesmo assim apetece-me comer um gelado. Sabe-me bem comer gelados quando está mais fresquinho, quando está frio, até quando chove.
Fecho a janela e continua a cheirar-me a terra molhada. É tão bom este cheirinho. É tão bom sentir que a terra se refrescou...
Somos feitos de terra e de mar, um dia vamos ser cinza e se acreditarmos, vamos ser uma estrelinha que no céu ilumina e guia os que cá ficam, os que amamos e deixámos aqui.
E enquanto cá estou, quero aproveitar bem os cheiros, os cheiros da terra molhada, da maresia, das pessoas que amo.
Cheira-me a terra, terra molhada que já esteve em brasa. Cheira-me a chuva refrescante. E cheira-me ao teu perfume. Se fechar os olhos vou acreditar que estás aqui. Colaste-te à pele, à minha pele. Está cá o teu perfume e o da terra molhada.
Estou em casa, sozinha, e cheira-me a ti. E cheira-me à chuva redentora. E sinto-te aqui. Se estivesse na praia, de certeza que te conseguia abraçar.

Produtos contrafeitos...

Durante o Especial Eleições da Sic ficou-se a saber que na noite de domingo, muitos velhinhos foram ao Hotel Altis porque fazia parte - sabe-se lá porquê - do percurso de uma excursão. Velhinhos que vieram de várias zonas do país, em excursões a Lisboa e arredores. E enquanto uns diziam que não sabiam porque estavam ali, outros, poucos, provavelmente mais lúcidos e mais atentos ou melhor ensinados, também disseram que tinham vindo em autocarros do partido...
Vamos imaginar que apesar do percurso longo, não houve tempo para explicar a todos os velhinhos porque é que tinham que ir ao hotel em causa. Também se pode imaginar que muitos dos velhinhos, sedentos de festa e passeio à borla (que de outra forma não poderiam usufruir com a magra reforma), não se tenham preocupado com todos os pormenores do percurso. E como o hotel já citado ainda não faz parte de nenhum roteiro oficial de "sete maravilhas de qualquer coisa", também se pode imaginar que os promotores das excursões tomaram bebidas contrafeitas, em vez dos nectares milagrosos que dão asas e outras coisas (boas) mais. Alguém andou a tomar umas coisas contrafeitas que dão ideias "coliformicas" e isso é um bocadinho preocupante... São momentos que lembram os tempos (de má memória) do salazarismo em que se ia ("espontaneamente sob ameaça" ) de bandeiras e pétalas de flores saudar as figuras do regime; São momentos que lembram a subserviência e o medo gratuitos desses tempos cinzentos em que o melhor, à cautela, era agradar, mesmo que o agrado fosse sinónimo de ridiculo. São também momentos que ajudam a confirmar que a democracia em Portugal, para alguns, continua sonolenta, preguiçosa e muito "Maria vai com as outras". Também quero acreditar que o nobre Costa, que ainda nem teve tempo para explorar as muralhas do Castelo, também está envergonhado.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

O poeta mais desejado...

No primeiro dia de aulas, a professora de português avisou: "Temos um programa muito extenso para dar. Se o cumprirmos podemos dar também Fernando Pessoa! Que lhes parece?"
Pareceu-nos muito bem. Tão bem que não faltávamos às aulas, tão bem que até nos portávamos bem, tão bem que no meio da matéria chata era frequente dizer: "Tudo isto por Fernando Pessoa".
E até começámos a ler meses antes... Devorávamos Fernando Pessoa e os heterónimos... Na recta final do ano lectivo, já conseguíamos reservar uns minutinhos de cada aula para falar... adivinhem. E era tão fácil falar de Fernando Pessoa com a professora, pouco mais velha do nós, e completamente seduzida pela obra do poeta.
Também costumava dizer-me o quanto é importante escrever. "Adelaide, nunca se deve deixar de escrever". E essa foi a sugestão mais fácil de aceitar em toda a minha vida.
Obrigada Guida, pelas preciosas lições de português, pelo incentivo à escrita, pela paciência e por me ter ajudado a descobrir tantos poetas e a compreender Fernando Pessoa.
Um beijo

Não digas nada

Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender -
Tudo metade
De sentir e de ver…
Não digas nada
Deixa esquecer

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada…
Mas ali fui feliz
Não digas nada.

Fernando Pessoa

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Eles não sabem que o sonho...

... e há quem nunca vá perceber que o sonho também é pão para a alma, como a amizade é um banquete, como a generosidade é um vinho que se deve saborear! Conheço de perto quem sabe e muito bem que o amor não tem fronteiras, está para além das estrelas e para além da própria vida. Quem se ama fica para sempre na memória e no coração. Quem se ama está sempre "aqui", mesmo quando já não se pode tocar, abraçar, sentir no espaço fisico.
A Pedra Filosofal que António Gedeão tão bem escreveu, ajuda-me a sonhar. E a ajuda é ainda maior quando a ouço na voz do Manuel Freire. E lembro-me sempre de uma madrugada, há muitos anos, numa redacção ensonada e empenhada em pôr um jornal na rua, quando a Pedra Filosofal deu um toque mágico em todos nós. Enquanto o Manuel Freire cantava, o Jorge dizia o mesma poema, com alma, tanta alma e tanta emoção. Depois de Freire e do Jorge, o silêncio.
O Jorge também sabe dizer outros poemas e muitas vezes faz das palavras também um poema. Na vida do meu Amigo existem outros poemas, em forma de vida... poemas de muito, muito amor e bondade.
Agora não consigo escrever mais. Já não me fogem as palavras mas fugiram-me os rios das nascentes da saudade e do afecto. Um dia acabo este post...
Até lá, sei que o Jorge e a Pilar continuam a acreditar que o sonho comanda a vida!E a bondade ajuda a sonhar!
Um beijo no coração
Adelaide Coelho

Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso,
em serenos sobressaltos
como estes pinheiros altos

que em verde e ouro se agitam
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma. é fermento,
bichinho alacre e sedento.
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel.
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa dos ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança.,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
para-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra som televisão
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão

http://www.youtube.com/watch?v=iqUI5NyDJmQ

quarta-feira, 11 de julho de 2007

As Rotas do Sonho I

Este blog tem um mês e apeteceu-me assinalar a data. Como costumo assinalar o primeiro mês de vida dos sobrinhos que a vida e o afecto dos amigos me deram.
Sebastião da Gama é o patrono deste espaço. Da pena inspirada do vate da Arrábida saíram poemas que me aquecem a alma. Um deles dá o mote a este blogue. O que se segue fala de um pássaro ferido...
Em tempos quiseram - de alguma forma - cortar-me as asas. Em tempos quiseram - também de alguma forma - quebrar-me o bico. Numa altura em que ensaio novamente voos mais altos e continuo a cantar um bocadinho desafinada, posso sempre dizer que nunca me roubaram a noite, nem a dignidade.
Tenho um imenso mar para navegar, tenho ventos de feição e sigo em velocidade de cruzeiro. Levo comigo uma mochila levezinha muito cheia de afectos de gente que também gosta muito de palavras e às vezes das minhas.

Cantilena

Cortaram as asas
ao rouxinol
Rouxinol sem asas
não pode voar.

Quebraram-te o bico,
rouxinol!
Rouxinol sem bico
não pode cantar.

Que ao menos a Noite
ninguém, rouxinol!,
ta queira roubar.
Rouxinol sem Noite
não pode viver.

Sebastião da Gama

Apanhada!!!!!!!!

Esta fotografia tem mais de dez anos. Foi tirada em Sesimbra durante um jantar de recepção aos parceiros da Douzelage (www.douzelage.org), na sequência do primeiro encontro da mega geminação europeia ocorrido no nosso país. Já não me lembro a quem queria - generosamente - "emprestar" a faquita da manteiga. Fui apanhada, por isso a fotografia resultou tão bem. Também pela arte maior do fotografo, o José Luís.

terça-feira, 10 de julho de 2007

Palavras

As palavras fogem dos dedos,
evadem-se da alma.
As palavras são quentes, são frias,
são carícias e são bofetadas,
pontapés e caneladas...
As palavras são beijos,
são abraços, são correntes de ternura,
são pontes para a terra prometida,
são muros que nos cercam,
mares que nos embalam,
rios que nos levam...
As palavras são sorrisos, gargalhadas,
água pura, fontes de muita ternura.
As palavras - às vezes - são dores mal disfarçadas.
As palavras são amor, paixão,
delírio, calor, ressurreição...
As palavras são fogueiras ardentes,
são canções, melodias,
fados com muitas guitarras;
As palavras são gemidos,
lágrimas, amores perdidos,
abraços, tesouros escondidos.
As palavras são sentidas, destemidas,
corajosas, bondosas,
às vezes são promessas, são mentiras,
discursos,utopias,
as palavras também são preces,
são louvores e glória
são momentos de muita história
e horas de coisa nenhuma.
As palavras às vezes são ocas,
ou recheadas de traição
as palavras são hipócritas
as palavras são... apenas palavras.
São letrinhas que juntamos e nos fogem,
são moinhos de vento, velas de bela fragata,
são declarações de amor ousadas,
são imagens roubadas.
As palavras são mar, céu, sol,
nuvens passageiras,
aguaceiros, tempestades,
dias de muita bonança.
As palavras são brisas, são carícias,
são beijos que se escrevem.
As palavras são doces, salgadas,
amargas, frias, duras,
as palavras são picantes, irónicas,
azedas, mortais.
As palavras também são esperança,
amor, tolerância, solidariedade,
as palavras também são sonhos,
são nossas, ninguém as pode roubar.
As palavras são cores, azuis de muito céu e mar,
vermelhas ardentes de vida,
verdes de muita esperança,
castanhas de muita terra,
amarelas de velhice,
alaranjadas de muito sol,
negras de dor, cinzentas de saudade,
brancas de timidez.
As palavras são luxos, banquetes, palácios...
As palavras são musica, pianos, violinos, saxofones,
baterias, violas, tambores.
As palavras são golfinhos saltitões,
espadartes cavaleiros dos mares,
polvos de muitos tentáculos,
esquálidos esfomeados.
As palavras são néctar, vinho da melhor safra,
as palavras também se comem,
são o melhor pão para a alma!
As palavras são tantas...
As palavras também são poemas sem rima
Como este que te deixo...
São tantas (as) palavras!
Adelaide Coelho

Saudade

Esta palavra saudade
Sete letras de ternura
Sete letras de ansiedade
E outras tantas de aventura
Esta palavra saudade
A mais bela e a mais pura
Sete letras de verdade
E outras tantas, de loucura
Sete pedras, sete cardos
Sete facas e punhais
Sete beijos que são dados
Sete pecados mortais
Esta palavra saudade
Dói no corpo devagar
Quando a gente se levanta,
fica na cama a chorar
Esta palavra saudade
Sabe a sumo de limão
Tem um travo de amargura,
Que nasceu no coração
Ai palavra amarga e doce estrangulada na garganta
Palavra com se fosse o silêncio, que se canta
Meu cavalo imenso e louco a galopar na distância
Entre o muito e entre o pouco, que me afasta da infância
Esta palavra saudade é a mais prenha de pranto,
como um filho nascessePor termos sofrido tanto
Por termos sofrido tanto
É que a saudade está viva
São sete letras de encanto
Sete letras por enquanto,
Enquanto a gente for viva
Esta palavra saudade sabe ao gosto das amoras
Cada vez que tu não vens,
cada vez que tu demoras
Ai palavra amarga e doce, debruçada na idade
Palavra como se fossemos resto de mocidade
Marcada por sete letras a ferro e a fogo no tempo
Ai, palavra dos poetas que a disparam contra o vento
Esta palavra saudade dói no corpo devagar
Quando a gente se levanta fica na cama a chorar
Por termos sofrido tanto
É que a saudade está viva
São sete letras de encanto
Sete letras por enquanto,
Enquanto a gente for viva

Sete Letras - J. C. Ary dos Santos, cantado por Simone de Oliveira

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Clube de (outros) poetas

O mar encerra mil segredos, mil tesouros e mil histórias de amor, o mar é fonte de vida e às vezes traiçoeira mortalha. O mar embala o sono e os sonhos, o mar acalenta as almas, e às vezes também as desassossega. Às vezes o mar curva-se aos homens, às vezes também os curva. Há dias em que mar e homens são um só, comungam da mesma sorte, da mesma riqueza. Há dias em que estão zangados, e gemem, e gritam, e bradem e também choram. Choram os homens e chora o mar. São prantos de dor e de raiva que chegam a terra, que os búzios guardam nas conchas, que as gaivotas escutam e reproduzem na noite fria e solitária.
E quando todos choram no mar porque o mar também chora, em terra também há lágrimas, há preces, há raiva e há dor. Nesses dias o areal de cada praia fica mais salgado de lágrimas e de dor. Por cada vida que o mar roubou, que o mar exigiu como tributo, quando - talvez - zangado se assume como entidade maior, dono de cada vida e do contrário também.
Todas as histórias de mar são salgadas. Mais salgadas pela fúria da tempestade, mais saborosas quando temperadas pela generosidade dos pescadores. Nas veias destes homens corre sangue vermelho de vida, salgado de mar, temperado de amor, de medo e de mais amor. E corre a poesia feita ternura, a poesia feita bondade, feita bravura, feita à medida de cada momento.
Aqui também se contam histórias de mar, de pesca, de dor, de gente brava, de outros poetas que noutros tempos mal sabiam assinar (quando sabiam), de camaradas de faina e de vida que criam poemas de generosidade cada vez que se fazem às águas, em busca do pão de todos os dias.

"Cerco" de prata

O leme da traineira vai deixando um traço de espuma nas ondas, um convite para seguir viagem. O Mestre, atento à condução e aos outros aparelhos preciosos auxiliares para a descoberta do cardume, enche as narinas de ar, tem um brilhozinho nos olhos. O sol vai-se pondo pela proa e o barco segue-lhe a trilha. Os peixes também mas o cardume ainda está disperso. Não vale a pena fazer o cerco, ainda.
Uma e outra gaivota solitária sobrevoam a traineira e partem de seguida. A bordo ainda não há nada que se coma. A bombordo surge um golfinho, brincalhão. Vai saltando e vai nadando. Cada salto é como que uma vénia, um abraço aos homens do mar. Homens que por essa altura, na grande maioria, optaram por descansar. Na coberta apenas o vigia e um outro pescador que deita ao mar um artefacto próprio para apanhar lulas. Quem sabe a sorte está por ali...
A embarcação continua a seguir em direcção ao pôr do sol, devagarinho. Parece estar em bicos de pés, para não acordar os peixes do cardume que vai aumentando. Na cabine, o rosto do Mestre descontrai-se num enorme sorriso. Os olhos brilhantes olham um ponto fixo no mar, que só ele vê.
E o sol começa a descer lentamente sobre o mar. Parece uma bola de fogo, incandescente, parece querer contar histórias de paixões tórridas. A grande bola vermelha de fogo e de vida começa a mergulhar. Em redor, as águas também ficam avermelhadas, até mesmo as águas submersas. A bola de fogo continua a penetrar - lentamente - no oceano profundo como se estivesse a fazer amor, devagar, saboreando cada momento. Sente no ar um misto de ternura e brisa marinha que vem acariciar a vida e o "tap - tap" do motor da embarcação permite ouvir o marulhar das águas. Como se nesse momento descesse dos céus a bênção divina...
O golfinho brincalhão dá um salto à altura da cabine do Mestre, pisca-lhe o olho e afasta-se. Veio certificar a qualidade do cardume, que entretanto já saboreou. O sol mergulha definitivamente no mar. As águas passam do avermelhado da paixão para o azul escuro da noite, ainda sem estrelas.
A traineira segue pachorrenta, solitária, agora em direcção a um ponto que só o Mestre conhece. está quase a chegar. O vigia levanta-se, mexe-se, adivinha a acção. O outro pescador recolhe o artefacto que tinha deitado ao mar e sorri também. Enquanto não começa a faina, já tem uma bela lula, se calhar o almoço do dia seguinte. O Mestre liga todas as luzes, olha para os sonares e abre ainda mais o sorriso. Liga a sirene. É um uivo que rasga a noite a alerta as gaivotas. Os homens da "companha" também. Acorrem à coberta, aos seus postos, sem perguntas. Cada um sabe o que tem que fazer. A "chata" (espécie de bote de fundo achatado) é deitada ao mar, solta-se a rede, começa o cerco do cardume. A traineira ziguezagueia nas águas, corta as ondas, cerca o cardume que já não pode fugir.
Outras luzes rasgam a noite e um outro barulho também. É a "enviada" - embarcação de apoio - que acabou de chegar, como se tivesse surgido por debaixo das águas. As duas embarcações estão lado a lado. Na borda, os homens começam a alar as redes, com a preciosa ajuda do guincho, com suor, com dor, com amor.
Ouvem-se os gemidos sumidos dos pescadores, o vozeirão do Mestre dá ordens precisas. Separadas por escassos metros, as duas embarcações partilham uma rede de tesouros, de peixes, de sardinhas, que a lua cheia (que veio ajudar), transforma em pedaços de prata. O cansaço não inibe os sorrisos. O lance é bom. O sorriso do Mestre torna-se ainda mais rasgado, mais aberto; as rugas do rosto tornam-se também sorrisos. A prosperidade está a passar por aqui. Nos olhos do Mestre e de cada pescador há uma prece de agradecimento. Nas cabines dos dois pesqueiros, as imagens sofridas do Senhor das Chagas também, por momentos, parecem sorrir.




sexta-feira, 6 de julho de 2007

Cesariana salvadora

Num jantar de muitos amigos, um dos meninos faz-me esta observação:
- Olha, a mãe está assim com a barriga grande porque lá dentro tem o meu irmão. Depois quando ele nascer, a barriga já não fica grande.
Confesso que fiquei um bocadinho mais aliviada com a observação até que, se seguiram as temidas perguntas.
- Oh Adelaide, como é que os bebés nascem? E como é que vão parar à barriga das mães?
Institivamente olhei para o pai do menino e suspeitei que as perguntas tinham sido encomendadas.
- Escuta querido - comecei por responder ao menino - o pai de certeza já te explicou; são os pais que plantam umas sementes na barriga das mães, sementes que depois dão origem aos bebés...
- Isso já o pai me explicou - respondeu com alguma impaciência - e eu não percebi muito bem. Mas o que me faz mais confusão é... como é que os bebés saem das barrigas das mães?
O olhar maroto do pai confirmou a minha suspeita. A expressão ansiosa do menino inspirou-me:
- Olha, isso é fácil de explicar e até podes falar com a mãe sobre isso. É muito simples. Quando for o tempo certo, o médico faz uma operaçãozinha à mãe e tira o bebé. Também foi assim que tu nasceste!!!

Veleidades

Uma conhecida cantora afirmou recentemente num programa de televisão ir actuar, num determinado dia, na Margem Sul. Se eu fosse fã da rapariga, teria decerto ficado aborrecida pelo facto de ela não ter especificado o local da Margem Sul. Para quem desconhece a dimensão da Margem Sul, lá ficou a ideia que a cantora ia actuar em alguma aldeia, ou pequena cidade. Mas a Margem Sul está longe de ser apenas uma cidade e muito menos um aldeia, apesar de um ministro também já lhe ter chamado um deserto. A Margem Sul é a designação genérica da vasta zona ocupada pelos nove concelhos da Península de Setúbal; Almada, Seixal, Sesimbra, Setúbal, Palmela, Barreiro, Montijo, Moita e Alcochete. Estes nove concelhos são compostos 58 freguesias sendo de longe o Seixal o líder incontestado na animação de Verão com festas, festinhas e arraiais. E porque os outros não se ficam atrás, há festa durante todo o Verão. Por isso, se eu fosse fã da tal cantora, teria ficado muito, mas mesmo muito aborrecida, pelo facto da rapariga ter dito que ia actuar na Margem Sul.
Esta cantora acaba por ser o espelho e o pior exemplo do que pensam os lisboetas e habitantes de concelhos vizinhos sobre a Margem Sul. Para eles a Margem Sul é uma cidade e se calhar a principal freguesia é a Costa da Caparica. De Setúbal, capital do distrito, pensam que tem duas ruas, a dos bares e a dos restaurantes de "peixe assado", e toda a gente acha também que Tróia é uma freguesia do concelho sadino. E afinal, não é bem assim. A Costa da Caparica é uma das onze freguesias do concelho de Almada, em Setúbal há muitas ruas sendo que a Avenida Luisa Todi é de facto a mais conhecida em termos turísticos, e Tróia, pertence ao concelho de Grândola.
E aqui na chamada Margem Sul dos lisboetas, também há história, há património, há castelos medievais e fortalezas seiscentistas, aqui nasceram e viveram gentes ilustres e que fazem parte da história, da música, do teatro, da poesia, da literatura... Na Margem Sul existe uma excelente gastronomia, excelentes vinhos e queijos, praias, museus, e três zonas protegidas; o Parque Natural da Arrábida (ultimo refúgio de inúmeras e únicas espécies europeias), a Reserva Natural do Estuário do Sado onde nada a maior comunidade de roazes - corvineiros (golfinhos) conhecida na Europa, e a Reserva Natural do Estuário do Tejo onde nidifica a mais expressiva comunidade de flamingos. Pois é... não se pode pedir a toda a gente que conheça bem esta região e nem a autora destas linhas pretende criar aqui um mini - site sobre a Margem Sul; antes lembrar que aqui existem "coisas muito boas" que podem ser usufruídas por todos. Até as áreas protegidas, com alguns cuidados.
E por ter um conhecimento razoável desta região, a autora destas linhas pode garantir que por aqui também não existe um deserto, como um ministro afirmou. Também do rol de espécies protegidas só fazem parte os flamingos e os roazes corvineiros. Camelos, não temos, e coliformes, já dificilmente dão à costa no estado original, porque são previamente tratados nas Etar's.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Coração solidário

A Confederação Portuguesa das Associações de Treinadores vai homenagear vários treinadores sadinos - que passaram pelo Vitória Futebol Clube - durante o congresso marcado para sexta e sábado numa unidade hoteleira da cidade. A cerimónia "cai" ainda melhor pelo facto de todos eles terem a possibilidade - em vida - de celebrar o reconhecimento por uma tarefa profissional tão ingrata e sempre tão exposta à espada afiada de adeptos zangados.
Entre os treinadores que vão ser homenageados está Fernando Tomé, também antigo jogador - de futebol - do Vitória de Setúbal. E fico feliz por ele. Conheço-o há cerca de vinte anos e reconheço-lhe também uma generosidade impar, uma simpatia ilimitada, uma solidariedade sempre activa. O Tomé faz parte do grupo de pessoas bonitas que vale a pena conhecer.
Parabéns Tomé também pelo coração grande. Obrigada pela amizade e pelas palavras amigas que tem sempre para dizer.
Um beijinho
Adelaide Coelho

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Indignação infantil


Sentado ao meu colo, o Tomás deliciava-se com as fotografias de golfinhos que lhe ia mostrando no velho computador. Naquele dia, excepcionalmente, o som estava ligado e no máximo. Um dos downloads fez um ruído estranho... que pareceu muito mal ao meu amiguinho de três anos.
"Oh! O golfinho c.... - se!", exclamou o Tomás, com uma expressão espantada e muito aborrecida.

domingo, 1 de julho de 2007

Nota de abertura

Nascemos numa noite quente de verão. Viemos ao mundo para informar, animar e participar na vida da cidade. Os nossos progenitores são cidadãos profundamente empenhados na criação e desenvolvimento de serviços locais de radiodifusão que complementem o esforço global no sentido da regionalização do país. Aguardam apenas que os senhores deputados da Assembleia da República discutam e aprovem o texto final da lei de licenciamento das estações de radiodifusão.
Até lá, como profissionais de comunicação, vão desenvolver um serviço local de rádio, de acordo com as limitações provocadas pelo vácuo legal.
Nascemos numa noite quente de Verão. Rádio Azul, a cor do rio, do mar e do éter. O sonho de alguns que se transformará no prazer de muitos. Rádio Azul um bebé que se promete tornar-se criança, jovem e adulto.
O nosso primeiro serviço de notícias será às sete horas da manhã. Temas em destaque: os 130 anos do Setubalense, os chumbos das escolas de Setúbal, a Feira de Santiago, o Festival de Teatro e o Festival de Folclore das Praias do Sado. E ainda, o Grande Prémio de Ciclismo da Costa Azul.
Quanto ao tempo, más notícias. Durante a manhã o céu vai tornar-se muito nublado com possibilidades de aguaceiros na regiões norte e centro… Quer isto dizer que aqui em Setúbal, uma zona limite entre o centro e o sul, é possível que também chova. A temperatura vai descer. Estado do mar na nossa costa; mar encrespado, ondulação de noroeste.

Jorge Simões in Rádio Azul, Setúbal, 01/07/85 (06h00 A.M.)