sexta-feira, 31 de agosto de 2007

... Um rio (rádio) azul igual ao meu

O rosto moreno, o sorriso aberto e a arte maior de fazer música com uma cana rachada são imagens que se colam à memória. A canção "Rio Azul", cujo refrão é uma espécie de hino para uma geração de jornalistas, animadores, operadores de som e administrativos da Rádio Azul, fizeram com que Xico da Cana fosse "gente de casa", tal como o Mário Regalado, autor do tema, e já falecido há uns anos.
Nos dias do aniversário da primeira emissão da estação radiofónica (01/07/07), era quase um ritual cantar o refrão de "Rio Azul" antes dos parabéns e do apagar das velas, alterando um bocadinho, pequenino, o refrão. Ora vejam, a versão original...

Onde é que existe um rio azul igual ao meu
que em certos dias tem mesmo a cor do céu,
minha cidade é um presépio é um jardim
queria guardá-la inteirinha só para mim.
(Mário Regalado)
E agora, a versão adaptada...
Onde é que existe um rádio azul igual ao meu
que em certos dias tem mesmo a cor do céu,
minha rádio é um presépio é um jardim
queria guardá-la inteirinha só para mim.
São memórias de um tempo que ficou colado à pele, aos sentidos. São memórias de um tempo que serviu para aprender, crescer, fazer amigos, criar laços para a vida. Memórias de um outro tempo também de juventude, generosidade, amor à camisola, empenho e profissionalismo a crescer. Hoje, mais velhos, mais crescidos, mais profissionais, mais ou menos vencedores, hoje continuamos a partilhar as memórias que se colaram à pele e ao coração. Hoje, particularmente tristes, trauteamos baixinho o nosso rio (rádio) azul... e desfiamos outras recordações.
Obrigada Mário Regalado pela inspiração. Obrigada Xico da Cana pela interpretação. Hoje voltaram a reencontrar-se, num espaço de muita luz.
Até sempre, até às estrelas

In Memorian

Xico da Cana faleceu faleceu esta noite. Francisco José Baptista, mais conhecido por Xico da Cana contava oitenta e três anos e tornou-se conhecido no meio musical pelas canções sobre Setúbal, o rio Sado e os pescadores, e a Serra da Arrábida e principalmente pela cana rachada usada para acompanhar as melodias, conferindo-lhes uma sonoridade diferente, atractiva e de cariz muito popular.
Rendido às belezas de Setúbal, do Sado e da Arrábida, foi justamente o tema "Rio Azul" (ver post abaixo) - da autoria de Mário Regalado, também já falecido - que maior projecção deu ao grupo musical, que liderava há mais de quarenta anos, o Conjunto Típico Xico da Cana, fundado de parceria com Luciano Salgado, depois de ter fundado um outro grupo, o Conjunto Canavial .
Francisco José Baptista, aliás Xico da Cana começou muito novo a desvendar os segredos do mar. Aos doze anos ingressa na faina, pela mão de tio, actividade que só abandonaria muitas décadas depois, devido a um acidente em terra. Em Sesimbra, chegou a ser mestre de traineiras "Aberta", "Pastorinha", "Previdência" e "Marateca".
Também bastante interessado pela gastronomia, abriu um primeiro restaurante na localidade de Volta da Pedra, concelho de Palmela, e alguns anos depois mudou o negócio para Setúbal, com a Tasca do Xico da Cana, numa artéria transversal à avenida Luisa Todi, rapidamente tornada local de culto para os apreciadores do excelente peixe fresco da cidade do Sado e da saborosa caldeirada confeccionada pelo próprio Xico da Cana.
Figura incontornável da cidade sadina, uma das primeiras apresentações em televisão terá ocorrido em finais da década de setenta no programa "Prata da Casa" (RTP), apresentado por Júlio Isidro. Nos últimos anos tornou-se uma presença regular em programas televisivos também na Sic, designadamente "Sic 10 Horas", "Às 2 por 3", "Fátima" e "Contacto".
Em 1992, a câmara de Setúbal atribuiu-lhe a Medalha de Mérito da Cidade.
Porque os afectos são eternos, Xico da Cana fica para sempre colado à memória e ao coração.
Até sempre Xico da Cana...


Ó rio Sado de águas mansas
que pró mar vais a correr,
não leves minhas esperanças
sem esperanças não sei viver.
Onde é que existe um rio azul igual ao meu...


In "Rio Azul" (Mário Regalado)

Rio Azul

Setúbal, eu tenho pena
de não te poder cantar.
Tu és mote de um poema
que ninguém pode ensinar

Se a beleza em qualquer lado
Se medisse com dinheiro
com a princesa do Sado
comprava-se o mundo inteiro

Onde é que existe um rio azul igual ao meu
que em certos dias tem mesmo a cor do céu,
minha cidade é um presépio é um jardim
queria guardá-la inteirinha só para mim.

Setúbal terra morena
onde tudo fica bem,
tens a beleza serena
no rosto de minha mãe.

Ó rio Sado de águas mansas
que pró mar vais a correr,
não leves minhas esperanças
sem esperanças não sei viver.

Letra e Música: Mário Regalado

Intérprete: Conjunto Típico Xico da Cana

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Repudiar o vandalismo e a cobardia


Li no "Portugal Diário" que os cartazes da Festa do Avante foram vandalizados em Sesimbra, durante duas noites seguidas. Por indivíduos encapuçados. A isto chama-se cobardia. À destruição dos cartazes, chama-se vandalismo. Situações que não enobrecem o ser humano; apenas atentam contra a democracia.
Os autores - desconhecidos - deste acto pouco digno não são, seguramente, gente de bem. Pertencem, de certeza, a uma minoria (quase) silenciosa que só se faz ouvir quando sabe que vai recolher aplausos. Mas, como a destruição de cartazes é uma situação grave, duvido que falem do assunto. Mesmo nas conversas em família...
Os autores - desconhecidos, porque encapuçados - deste acto de vandalismo serão naturalmente pessoas que ainda não aprenderam os valores e o bem que advêm da democracia e do pluralismo. Não aprenderam porque não quiseram, nem se empenharam. É muito mais fácil destruir cartazes, sob um capuz, ou algo que valha. É muito mais fácil ser cobarde.

Para ler o artigo do Portugal Diário, é só clicar no link abaixo:
http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?div_id=291&id=848312

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

As palavras fugiram

Uma imagem vale por mil palavras e hoje, quase todas as palavras fugiram. Umas por serem - muito - inapropriadas, outras por saberem que também não vão ser usadas. E outras houve que se deixaram levar...
As imagens ficaram. Estão na mente, no coração e na alma. As palavras - poucas - que restaram, são para ti.
Porque hoje é dia de cantarem as nossas almas... em silêncio, porque existem pedidos irrecusáveis.
Gosto muito de ti.
Um beijo no teu coração

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Criatura da Noite II

Nos primeiros dois anos em que trabalhei na Rádio Azul, o desmesurado número de madrugadas na informação, valeram-me a alcunha de Morcego... Azul! Foram tantas, que perdi a conta. Sei que bati o recorde da redacção. E de manhã, faltava-me sono. Adormecer era muito complicado. E comecei a gostar ainda mais da noite. Da noite para trabalhar, para viver, para escrever, para criar e também para estar com os amigos. Há vinte e um anos, eu era assim. E também era mais bem disposta (apesar de já ter muito mau feitio) e achava outra graça à vida e mais graça às coisas.
O Morcego (Azul) faz parte das muitas memórias boas da rádio. São doze anos de muitas boas memórias. Das outras, cinzentas, nem vale a pena falar. E nas memórias bonitas fazem parte também pessoas, momentos, afectos e discos. Temas que ficam como marcos também de muito boa disposição; em 1993, os "Entre Aspas" lançaram o primeiro disco, "Entre S.F.F." e um dos temas ficou facilmente no ouvido, também pela sonoridade. A letra, diz-me muito. O tema chama - se "Criatura de Noite".
Na Rádio Azul, como em muitas outras rádios, o disco passava em quase todos os programas. Uma das animadoras da estação gostava tanto que também cantava (felizmente com o microfone fechado) num tom tão alto, tão alto, e porque não devia gostar de se ouvir, aumentava o som das colunas ao máximo e generosamente - abria as portas do estúdio e da régie para partilhar o momento com todos os companheiros de serviço, que imensamente gratos pela atenção, a mimavam com palavras "muito doces", após a primeira reacção: "LEEEEEEEEEEEEEEEEENNNNNNNAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!!!!!!"
"Matem" as saudades da canção no post mais abaixo. Para ouvirem a Lena (sem ser a cantar) têm que sintonizar a Pal FM.

Criatura da Noite

Esta noite quero cantar
dançar e voar
quero ver luzes, muitas
quero ser um pássaro

Quero ver os peixes a bailar
e as ideias a gritar
quero voar, voar até ver
o mar pegar fogo
o campo incendiar
até a luz, a luz me cegar
e eu voltar pró meu lugar.

"Entre Aspas"


Para recordar é só clicar
http://www.youtube.com/watch?v=S1K_Nu9nw-o

domingo, 26 de agosto de 2007

Recomeços...

Hoje apetecia-me que nevasse... que mil flocos de neve e algodão tapassem as más memórias. Que tudo ficasse branco, desesperadamente branco, imaculadamente branco. Um imenso lençol feito a minha, que podia pintar, ao meu gosto, com as cores mais bonitas do arco iris.
Tanto azul no céu, uma nuvem passageira, um grande sol dourado, sorridente e de braços abertos; uma terra castanho - avermelhada fértil de vida e de amor, muitas árvores de grande porte e ramagem verde, flores de muitas cores, passarinhos a cantar pela força da minha pintura... Montanhas para subir, caminhos para explorar, falésias quase a pique sobre um mar muito azul, tão azul de fazer doer.
Hoje eu queria pintar.
Tombe la neige.

Tombe la Neige

Tombe la neige
Tu ne viendras pas ce soir
Tombe la neige
Et mon coeur s'habille de noir
Ce soyeux cortege
Tout en larmes blanches
L'oiseau sur la branche
Pleure le sortilege
Tu ne viendras pas ce soir
Me crie mon désespoir
Mais tombe la neige
Impassible manege

Tombe la neige
Tu ne viendras pas ce soir
Tombe la neige
Tout est blanc de désespoir
Triste certitude
Le froid et l'absence
Cet odieux silence
Blanche solitude

Tu ne viendras pas ce soir
Me crie mon désespoir
Mais tombe la neige
Impassible manege

Salvatore Adamo (1963)

http://www.youtube.com/watch?v=K-DKXuWuoYM

sábado, 25 de agosto de 2007

Talvez chuva

Esta chuva lavou ruas, molhou a terra e lavou almas. Almas sedentas de água pura e de amor. Almas que ressuscitam e terras que ficam mais frescas, mais penetráveis. Umas e outras hão-de florescer, umas e outras vão ser felizes.
Esta noite as nuvens choraram... Também elas ficaram mais lavadinhas, mais brancas e mais leves. Às vezes chorar alivia, purifica, às vezes, poucas vezes. Chorar - às vezes - é esconder ainda mais a dor que rebenta no peito. Chorar com as nuvens ajuda a criar um parede de vidro. Porque é tão difícil partilhar as lágrimas que são nossas, muito nossas. É mais fácil oferecer um ombro amigo.
E é muito mais fácil acreditar que esta chuva é feita de lágrimas de quem já não sabe chorar.

Porque Chora a Tarde

Porque chora a tarde,
seu pranto entristece o caminho
Porque chora se tema beleza do sol e da flor
Porque chora a tarde sabendo que existe outro dia
E a alegria depois da tormenta é dia de sol

Porque chora a tarde
no rio
salpicando seu leito
Porque chora gritando ao vento angústias e dor
É que a tarde já sabe que alguém carregou meu carinho
Compreendo que também a tarde soluça de amor

A tarde está chorando por você
Porque assiste a solidão no meu caminho
A tarde entristeceu junto comigo
E eu preciso dessa tarde como abrigo

A tarde está chorando por você
Ela sabe que o amor partiu pela estrada
E essa chuva faz a tarde tão molhada


(António Marcos - Gabino Corrêa)


http://www.youtube.com/watch?v=lvpbUzTPnBA

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Tempo?

Os dias são longos, os meses também... e quando tudo parece seguir ao sabor do vento, afinal reparamos que o tempo passou a correr. As horas que pareciam não querer passar, afinal passaram a correr.
Cuidado... o tempo não dorme. Mesmo quando tudo parece dormir. Mesmo quando durmo nos teus braços, quando me aconchego no teu amor.
E quando desperto, percebo que já há tempo. Tempo para o nosso amor.
Tempo, tic - tac, relógio, tempo, vento, trovão, tempestade, tempo, sol, nuvens, céu azul, tempo, amor! Amor já temos, muito amor, e temos tempo, Amor?

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Só meu

Um dia sonhou ser amada, acreditou que ia ser feliz. Finalmente, o sonho ao alcance de um pensamento, um pensamento de muito, muito amor. E fez planos, muitos planos. E desenhou um futuro a cores, muitas cores, as cores mais bonitas do arco íris.
Uma noite muito quente, estrelada, falsamente cúmplice, bastou para derrubar o palácio de muito afecto que ainda nem tinha sido construído. Foi melhor assim. Doeu, doeu muito, muito, muito, muito. Já passou...
Tinha que passar. De outra forma não podia ser. Em nome de um amor mais alto, cala-se a dor e chora-se em silêncio um outro amor.
Há lágrimas que não se partilham. Este amor também não.

Apenas um poema

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
Miguel Torga

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

O melhor legado...


Elvis partiu há trinta anos. Os fãs não o deixaram morrer e até há quem acredite que afinal está vivo e que reencarnou. E também há quem diga ser a reencarnação do "rei".
Porque os afectos e a memória são eternos, Elvis ficou, para sempre, nos corações. Love Me Tender

Love me Tender


Love me tender,
love me sweet
Never let me go
You have made my life complete
And I love you so.

Love me tender,
love me true
All my dreams fulfil
For my darlin' I love you
And I always will

Love me tender,
love me long;
Take me to your heart.
For it's there that I belong,
And we'll never part.

Love me tender,
love me dear;
Tell me you are mine.
I'll be yours through all the years,
Till the end of time.

When at last my dreams comes true,
Darling, this I know:
Happiness will follow you
Everywhere you go.

Elvis Presley

http://www.youtube.com/watch?v=oHJwqE5wdVc

"Trova do amigo que passa"

Há quem passe por nós e continue a passar... Há quem nos ultrapasse sem deixar rasto. O melhor de tudo é saber que há quem passa, continua a andar, mas deixou - chamemos-lhe assim - um grão de afecto.
São os que passam e regressam, é por eles que também regressamos.
Porque a vida é movimento, todos passam, todos vão. E eu também. E os amigos voltam e eu também.
Do meu coração nunca chegaste a sair. Eu continuo a morar no teu.
E regressamos ao mesmo tempo.

Vaidade

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher o mundo!
E que deleita. Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,

E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...
E não sou nada!...

Florbela Espanca

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Pintar paredes

Ainda hoje me deixo fascinar com as pinturas murais que após o 25 de Abril de 1974 começaram a animar as ruas deste país que começava a sair de um cinzentismo cheio de teias de aranha. Eram pinturas feitas, acredito, por autênticos artistas anónimos, gente do povo, que pintava e embelezava as paredes, partilhando uma arte maior com quem passava. Eram - são - pinturas feitas com alma. Deram cor às paredes, eram manifestações de júbilo pela liberdade que começava a despontar.
Note-se bem, estou a falar de pinturas. De muitas cores, onde predominava o vermelho e o preto, e ainda o azul, o verde... Eram de facto pinturas, muito bem feitas. Quando as vejo, lembram-me naturalmente o 25 de Abril, a chegada dessa liberdade que de certeza mudou a - na altura - minha curta vida.
Também acho alguma graça aos grafittis, quando feitos com alma, quando estão bem feitos, quando não são apenas mais sujidade nas paredes. E, nesta altura do ano, também gosto de ver paredes caiadas de branco. E acho perfeitamente criminoso e gratuito que certos parvalhões sujem as paredes - recém caiadas - com borrões de tinta preta, que nada dizem, e que nada são, a não ser uma inqualificável falta de respeito para com os outros.
Assim não há liberdade que resista!

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Aboborando...

Hoje não me apetece escrever. Aliás, não me apetece (quase) nada. Vou ficar aqui sentada à espera, também de nada; afinal nada está para chegar.
Vou ficar aqui a olhar para o céu, espero que tenha estrelas, muitas estrelas cintlilantes, para animar a minha noite, esta noite escura, ridiculamente escura.
Espero que esta noite haja luar; uma lua de prata para me lavar a alma.
Hoje não não me apetece escrever.
Apetece-me o abraço ausente, o beijo foragido, o abraço prolongado, o beijo colado.
Apeteces-me tu e o poema que não escrevemos, apetece-me mergulhar nos teus olhos, entrar na tua alma, beber o suave néctar dos teus lábios
Apetece-me a luz dos archotes e a noite fria, o jantar na penumbra e os sussurros das árvores, apeteces-me tu, a vida e o amor.
Vou dormir. Pelo menos tentar.

Amigo


Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso

De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?)

«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,

É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!
«Amigo» é uma grande tarefa,

Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!

Alexandre O'Neil in "No Reino da Dinamarca"

domingo, 12 de agosto de 2007

Quase um poema de amor

Há muito tempo que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
- Há muito tempo que eu já não escrevo um poema
De amor.


Miguel Torga
(Coimbra, 7 de Fevereiro de 1950)

A intimidade de Torga no centenário do seu nascimento

Era avesso a entrevistas, dispensava mundanidades, recusava autografar os seus livros e dizia que quem o queria conhecer tinha que ler a sua obra. Mas no centenário do nascimento de Miguel Torga, que se comemora hoje (1907-1995), a inauguração da casa que o escritor habitou em Coimbra, durante quarenta anos, desvenda ao público uma parte do espaço íntimo do Orfeu Rebelde.
A abertura da casa-museu é uma das iniciativas que decorrem durante o dia de hoje, em Coimbra, onde será inaugurado também um memorial ao escritor da autoria do arquitecto José António Bandeirinha e do artista plástico António Olaio.
O espólio da casa, doado pela filha do escritor, Clara Rocha, é constituído pelos móveis, objectos pessoais, quadros e livros de Torga e ainda por um espólio documental composto por verdadeiras raridades bibliográficas. "O espólio (...) foi seleccionado e guardado por minha Mãe e é constituído pelos raríssimos manuscritos guardados pelo Poeta, por alguns dactiloscritos emendados à mão de contos e prefácios e pelas primeiras edições dos livros que o autor assinou ainda com o nome Adolfo Rocha", descreve Clara Rocha, por e-mail ao PÚBLICO.
É na Coimbra dos anos 40 que o escritor, já casado com a professora universitária belga Andrée Crabbé, se muda para casa dos Olivais, depois de ter vivido numa pequena casa na Estrada da Beira, à beira dos laranjais do Mondego, e de ter frequentado a República Estrela do Norte durante o tempo em que estudou Medicina.
Nem todos os espaços que poderão ser agora visitados pelo público permanecem iguais em relação à casa que o poeta habitou, mas a intimidade de Torga é reconstruída de forma fiel: o mobiliário dos séculos XVII e XVIII que o poeta foi adquirindo, a biblioteca pessoal e ainda as várias peças de arte da casa, das quais Clara Rocha destaca a pintura Ceifeiro de Dordio Gomes. "Foi oferecida a Miguel Torga pelo próprio pintor depois de ter lido o capítulo sobre o Alentejo no livro Portugal", refere.
O jardim, no entanto, apesar de ter sido arranjado, está ainda assim longe de ser o que era. Clara Rocha recorda as belas colecções de flores dos Países Baixos que eram cultivadas pela mãe na parte da frente, como tulipas, narcisos e anémonas, e que hoje não fazem parte do jardim. Há, no entanto, uma planta que permanece no local e que sobreviveu décadas e décadas: uma torga, a urze típica das serras de Trás-os-Montes que o poeta adoptou para pseudónimo, e da qual o médico Adolfo Rocha arrancava todos os dias um pedaço para levar para o consultório, no Largo da Portagem. Eram os fragmentos do "reino maravilhoso" de Trás-os-Montes que o poeta gostava de conservar na cidade onde viveu a maior parte da vida.

In www.publico.pt (12/08/07)

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

O voo (mais alto) da gaivota

Da ponta de Sagres ao Cabo Espichel, do cabo de S. Vicente a Finisterra, incansável a gaivota vai voando e sobrevoando o mar. Conhece de cor cada cabo, cada promontório, cada enseada. Todos lhe servem de abrigo, todos lhe servem de lar. E cada mar circundante é mesa farta, para almoço e jantar, e sempre que tiver fome.
Sempre que sobrevoa um sítio onde existem seres humanos, a velha gaivota dá um grito, feito saudação. Sempre que no caminho lhe surge um barco de pesca e se estiver carregado, ela faz-se convidada para a festa.
Nos dias em que acorda mais bem disposta - e isso só acontece quando lá longe, mar e céu se fundem no mesmo azul imenso dourado pelos beijos do sol - a gaivota ensaia outros voos, mais altos, para aproveitar a boleia das nuvens passageiras. E as nuvens estão tão altas, tão altas, tão altas, que a velha gaivota, por vezes, já tem dificuldade em alcançar, de um só voo. Quando lá chega descansa, descansa muito, e só regressa quando a fome aperta.
É agora... a gaivota tem fome, muita fome, demasiada fome, e inicia o voo de regresso ao mar. Saciada a fome e a sede, recomeça o percurso do costume. Desta vez com alguma ansiedade e muita pressa. A velha gaivota quer visitar todos os cabos, promontórios e enseadas e vai terminar a viagem em Finisterra.
Depois de muitos voos cansativos, a gaivota chega finalmente a Finisterra. Olha as nuvens que vão passando. A mais bonita - e também a mais alta, muito mas muito alta -deixa passar um imponente raio de sol, como se fosse uma piscadela de olho.
A gaivota segue o rasto da piscadela e grande nuvem... não olha para trás, não gosta de despedidas. E voa, voa, voa, como se fosse a última vez.
Eu também não gosto de despedidas mas tão pouco sou como a gaivota...
Quando eu morrer, aqueçam-me nos fornos da dignidade e nos outros também e depois, levem-me para o mar.

Quinto poema do pescador

Eu não sei de oração senão perguntas
ou silêncios ou gestos de ficar
de noite frente ao mar não de mãos juntas
mas a pescar.
Não pesco só nas águas mas nos céus
e a minha pesca é quase uma oração
porque dou graças sem saber se Deus
é sim ou não.


Manuel Alegre

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

E agora...



É o tempo ideal para uma cervejinha, bem geladinha, já agora acompanhada daqueles saborosos frutos do mar que o mar de Sesimbra é tão generoso a oferecer. Podem ser frutos (com cascas), e também podem daqueles que também têm patas. E já agora um pãozinho torrado... Mas tudo isso depois de ver estas traineiras fazerem-se ao mar, em busca das sardinhas que o luar transforma em prata, que o fogareiro vai transformar no meu almoço de amanhã.
Se estivesse agora em Sesimbra, iria ao porto de abrigo ver a saída das traineiras. Depois, aproveitava para ver o pôr do sol e quando já nada me permitisse resistir à fome seguia em busca de uma esplanada, preferencialmente frente ao mar... uma mesa, cadeiras, a tal cervejinha e o que se segue... e a boa tua companhia, se estivesses aqui. Não estás aqui ao pé de mim e eu também não estou em Sesimbra e da minha casa não se avista o mar...
Olha, vou jantar sozinha. Tenho cervejinha, um petisco com sabor e cheirinho a mar, pãozinho torrado e... pronto. Estou cheia de fome e também tenho muitas saudades.

Fotografia alojada em http://www.woophy.com/map/download.php?file=333318%2Ejpg

Muito à frente...


António Variações muito à frente no tempo e sempre a correr - também - atrás do sonho. Uma doença estúpida venceu o eterno insatisfeito, o eterno desassossegado. Nasceu e morreu fora de tempo. Estava tão à frente...
A minha geração trauteava-lhe as canções e admirava-lhe o visual, excêntrico, diferente, arrojado.
Às vezes a vida é tão pouco generosa com os ousados. No caso de António Variações foi mesmo muito forreta.

N.B. Foto (D.R.)

Memórias de Sesimbra


"... O pescador de Sesimbra , que vai às vezes muito longe, não conhece a agulha de marear. Regula-se pelas estrelas e pela malha encarnada da Serra. Lá fora, quando vêm o cabo ao nível da água, dizem que estão no mar do cado raso, e, quando o farol desaparece, estão no mar do cabo feito. Conhecem a costa a palmo: o mar novo que dá o peixe - espada, o mar da regueira, que dá a pescada, o mar da cornaca, que dá o goraz e o cachucho, eo do rapapoitas, que dá os grandes pargos, conhecidos por pargos do morro.
Este homem é instinto comunista. Se um adoece, os outros ganham-lhe o pão: recebe o seu quinhão inteiro. Se morre, sustentam-lhe a viúva e os filhos, entregando-lhe o ganho que ele tinha em vida. Dão ao hospital e ao asilo uma parte do pescado. Toda a gente tem direito a ir ao mar - toda a gente tem direito à vida. Vai quem aparece, desde que seja marítimo. Acontece que o barco leva hoje quarenta homens e leva vinta amanhã... O produto das artes é dividio em quinhões iguais pela companha. A pesca do anzol é uma cooperativa, e a barca quase sempre dos pescadores.
... Momento único. Momento em que o branco desmaia e em que a luz do luar e a luz do sol se entranham e misturam. O grande manto branco escorre sobre as águas e já o nascente lhe ilumina a esteira mágica, que estremece toda. olho para o céu: no céu, azul às enxurradas, lavando-o do luar. Aumenta e alastra a claridade. A lua teima, caem jorros brancos que não cessam, mas o nascente, num triunfo, enche tudo de luz. Os grandes morros emergem da tinta azul como colossos ensaguentados. Mais fragas além - toda a costa recortada. Cabos enormes e maciços e ao longe o Pombeiro entrando de rompante pela água dentro. Panorama a vermelho. O sol escorre sobre as palhetas do grande manto branco, que vibram como se fossem levantar voo. E todo esse luar magnético e branco ao mesmo tempo que estremece e reluz, doira. Doira um instante e morre..."


Raúl Brandão in "Os pescadores"

Foto Edição F. Lopes
(venda de peixe na antiga Lota)

Às vezes...

... poucas vezes ou quase nenhumas mas hoje aconteceu. Dei comigo a ter um autêntico "ataque de ciúmes" e, vai-se a ver, por nada! Logo eu, que não suporto ciúmes, não gosto que me façam cenas de ciúmes, e costumo categoricamente dizer que não sou ciumenta, hoje tropecei no meu próprio laço.
Não vou justificar sequer este pequeno desvio. Seria justificar o injustificável. Cá para mim, vou pensar que me meti por este tortuoso atalho se calhar por me sentir sozinha, provavelmente carente, de certeza com muitas saudades e mais certo ainda por ter muito mau feitio.
Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Agora ainda estou mais furiosa (comigo) por me ter deixado cair nessa estúpida tentação. O pior é que a secura da minha conversa deu a entender tudo isso e provavelmente magoei quem não queria, quem não merece.
Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Um... dois... três... quinhentos e dois... quinhentos e cinquenta e sete!
Pronto! Já passou! Desculpa!
Costumo dizer que ciúmes são falta de confiança em nós e nos outros. No meu caso foi falta de confiança em mim. Foi cansaço acumulado por andar - há vários meses - ora debaixo de chuva, ora sob sol escaldante, a caminhar num deserto de muitos mares desconhecidos. Foi um grito de revolta, para não dizer, um ataque de muita raiva.
Já passou, já passou, não vou voltar a ter ciúmes. Sei o que sou, o que valho, e sei quem gosta de mim. Já tive algumas desilusões mas por ti estou segura, sinto-me segura. Sei que não vai acontecer, nunca mais!

terça-feira, 7 de agosto de 2007

E por vezes

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos

David Mourão Ferreira

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Gente que vale a pena

O Viriato Teles tem um novo site. Vale a pena ver mesmo enquanto não está concluído. É um sítio de paragem obrigatória.
Jornalista e escritor, Viriato Teles é um homem que sabe muitas palavras e é um homem de palavra. Conheci-o pessoalmente há meia dúzia de anos, já lhe conhecia o nome e o talento. Gostei à primeira vista, continuei a gostar depois e hoje, gosto ainda mais.
Acho que posso dizer que ficámos amigos; acho muito, muito difícil - acho quase impossível - não se gostar do Viriato. E o talento deste "rapaz" não se fica pelas palavras que escreve, vem também das palavras que diz. Descobre-se também na frontalidade, na dignidade, na bondade das acções.
O Viriato é um daqueles (raros) seres humanos que não trai, não se vende, não rasteja, não faz dos outros degraus de sucesso, não copia nem imita, não alimenta fogueiras de vaidades, não bajula, não engraxa, não faz vénias gratuitas e ridículas...
O Viriato é um resistente, um lutador, companheiro de jornadas, às vezes sonhador abençoado, um escritor que sabe usar bem as palavras, um homem solidário e às vezes - parece-me - um pouco solitário também; afinal todos os iluminados - mesmo os mais discretos - precisam de muita privacidade.

Vale a pena espreitar
www.viriatoteles.net

Outros sabores

Natália Correia disse e está dito; a poesia é para comer. Da pena ousada da poetisa saíram poemas que tocam a alma, alimentam o estômago esfomeado de palavras reais, que lavam a alma e levam as mágoas para os remoinhos das tormentas que conseguimos ultrapassar.
A poesia come-se, de preferência devagar, degusta-se como um bom queijo e um bom vinho. No caso dos poemas de Natália Correia, apetece saborear cada letra e cada letra tem um sabor diferente; são poemas, são banquetes de inspiração.
Vale a pena este lanche ajantarado, este jantar tardio, ou esta lauta ceia noite dentro, no silêncio (ruidoso) das palavras...

A Defesa do Poeta

Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto

Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim

Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes

Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei

Senhores professores que puseste
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição

Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis

Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além

Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs na ordem ?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem ?

Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa

Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho !
a poesia é para comer.


Natália Correia

domingo, 5 de agosto de 2007

Il faut rêver

Léo Ferré, poeta, cantor, compositor, anarquista, desassossegado, criativo, contestatário, revolucionário.
Voz quente e palavras ardentes, escritas, ditas, cantadas com alma.
Faz-me bem ouvir esta voz, saboreio-lhe as palavras, aplaudo-lhe o imenso talento, ajuda-me a sonhar.
Porque sonhar é preciso, como viver, respirar, amar!

Avec le temps

avec le temps, va, tout s'en va
on oublie le visage et l'on oublie la voix
le cœur, quand ça bat plus, c'est pas la peine d'aller
chercher plus loin, faut laisser faire et c'est très bien

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
l'autre qu'on adorait, qu'on cherchait sous la pluie
l'autre qu'on devinait au détour d'un regard
entre les mots, entre les lignes et sous le fard
d'un serment maquillé qui s'en va faire sa nuit
avec le temps tout s'évanouit

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
mêm' les plus chouett's souv'nirs ça t'as un' de ces gueules
à la gal'rie j'farfouille dans les rayons d'la mort
le samedi soir quand la tendresse s'en va tout' seule

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
l'autre à qui l'on croyait pour un rhume, pour un rien
l'autre à qui l'on donnait du vent et des bijoux
pour qui l'on eût vendu son âme pour quelques sous
devant quoi l'on s'traînait comme traînent les chiens
avec le temps, va, tout va bien

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
on oublie les passions et l'on oublie les voix
qui vous disaient tout bas les mots des pauvres gens
ne rentre pas trop tard, surtout ne prends pas froid

avec le temps...
avec le temps, va, tout s'en va
et l'on se sent blanchi comme un cheval fourbu
et l'on se sent glacé dans un lit de hasard
et l'on se sent tout seul peut-être mais peinard
et l'on se sent floué par les années perdues- alors vraiment
avec le temps on n'aime plus

Léo Ferré (1971)

N.B. - Para ver e ouvir, é só clicar
http://www.dailymotion.com/video/xculo_leo-ferre-avec-le-temps

sábado, 4 de agosto de 2007

Outra barca bela


Uma réplica em miniatura das antigas barcas de Sesimbra (construída pelo meu pai) e eu, também em miniatura. Ainda tive oportunidade, há muitos anos de entrar e "andar" numa delas, em tamanho real. Numa altura em que o meu rosto mal chegava à borda da embarcação e por isso era presenteado com mil salpicos de espuma.
Tinha a sensação que a barca - por ser muito baixa - estava agachada. A minha pequena estatura não ajudava muito e para ver o mar tinha que ir para o colo do meu pai mas, foi um passeio giro, fresquinho e com muito sabor a sal. Não tive medo nenhum! Como ainda hoje. Entrar num pesqueiro, numa traineira ou até num pequeno bote, é um enorme prazer e usufruir dos momentos da faina também.
Nesses momentos aprende-se a dar mais valor aos bravos homens do mar e o peixe passa a ter outro sabor. Nesses momentos - tão mágicos - sinto que o sal do nosso mar corre - com muita força - nas minhas veias.

Barca bela

Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela.
Que é tão bela,
Oh pescador?

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!

Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Oh pescador!

Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Oh pescador.

Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela
Foge dela
Oh pescador!

Almeida Garrett

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Prometi que não chorava...

Sempre que entra o mês de Agosto, lembro-me ainda mais de ti. Partiste num dia tão quente, depois de muita agonia, depois de te terem roubado a vida, de forma tão cobarde. Um clone barato - e mal feito - de ser humano atropelou-te e deixou-te caído no chão, depois de criminosamente ter conduzido após beber uns copos, sabe-se lá quantos copos, copos que se transformaram em pregos do teu caixão.
Eras muito generoso, tinhas um coração grande e muito bonito, eras tão jovem e já conhecias os caminhos do bem e da justiça. É assim que te guardo no meu coração.
No dia em que partiste, a tua irmã Paula pediu-me que não chorasse junto da vossa mãe, do vosso pai, da vossa irmã, junto à vossa família. Nesse dia, Carlos, e em todos estes longos dezoito anos, engoli as lágrimas sem as mastigar, porque existem pedidos irrecusáveis, porque são lágrimas de muita dor. Porque a dor da tua família, é muito maior que a minha e a generosidade também.
Confesso-te Amigo, que me comovi de felicidade no dia em que a tua irmã Paula casou (se o teu cunhado sabe, vai gozar comigo) nos dias em que os teus sobrinhos chegaram a este mundo. Quando o Diogo nasceu, a tua irmã Susana levou-me junto do berço do menino enquanto me dizia: "Anda, vou-te apresentar o nosso sobrinho!". Com o nascimento do Miguel ganhei mais um sobrinho e assim a família de afectos aumenta naturalmente.
A amizade que une está para além das estrelas, de todas as estrelas. As saudades são difíceis de aguentar e às vezes nascem-me cataratas nos olhos. Como agora... Não importa, eu só prometi não chorar quando estivesse ao pé da tua família. E essa promessa eu cumpri. Acredito que me estás a ver e o teu coração bondoso transforma estas lágrimas em rios de ternura.
Está tanto calor como naquele dia... e sinto que estás aqui, ao pé de mim. E de certeza junto aos outros amigos, no seio da tua família, da mesma maneira que sei que és uma das estrelinhas cintilantes que todos os dias, lá no céu, me deseja uma boa noite e lembra que vale a pena continuar a sonhar.

Biografia

Tive amigos que morriam, amigos que partiam

Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.

Odiei o que era fácil

Procurei-te na luz, no mar, no vento.

Sofia de Mello Breyner Andresen