sábado, 29 de setembro de 2007

Uma imagem vale também por mil saudades


(Foto: D.R.)

Canção tão simples

Quem poderá domar os cavalos do vento
quem poderá domar este tropel
do pensamento
à flor da pele?

Quem poderá calar a voz do sino triste
que diz por dentro do que não se diz
a fúria em riste
do meu país?

Quem poderá proibir estas letras de chuva
que gota a gota escrevem nas vidraças
pátria viúva
a dor que passa?

Quem poderá prender os dedos farpas
que dentro da canção fazem das brisas
as armas harpas
que são precisas?

Manuel Alegre

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Cantiga de Amigo

Nem um poema
nem um verso
nem um canto
tudo raso de ausência
tudo liso de espanto
e nem Camões Virgílio Shelley Dante
o meu amigo está longe
e a distância é bastante.
Nem um som nem um grito nem um ai
tudo calado
todos sem mãe nem pai
Ah não Camões Virgílio Shelley Dante!
o meu amigo está longe
e a tristeza é bastante.
Nada a não ser este silêncio tenso
que faz do amor sozinho o amor imenso.
Calai Camões Virgílio Shelley Dante:
o meu amigo está longe
e a saudade é bastante!

Ary dos Santos

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

A carta que não foi mandada

Paris, outono de 73
Estou no nosso bar mais uma vez
E escrevo pra dizer
Que é a mesma taça e a mesma luz
Brilhando no champanhe em vários tons azuis
No espelho em frente eu sou mais um freguês
Um homem que já foi feliz, talvez
E vejo que em seu rosto correm lágrimas de dor
Saudades, certamente, de algum grande amor
Mas ao vê-lo assim tão triste e só
Sou eu que estou chorando
Lágrimas iguais
E, a vida é assim, o tempo passa
E fica relembrando
Canções do amor demais
Sim, será mais um, mais um qualquer
Que vem de vez em quando
E olha para trás
É, existe sempre uma mulher
Pra se ficar pensando
Nem sei... nem lembro mais

Vinicius de Morais

terça-feira, 25 de setembro de 2007

À flor da pele

Cola-se à pele o amor e a nostalgia. Cola-se à pele a vontade de te ver, de te abraçar, de te sentir. Colam-se à pele os sonhos e os poemas. E a pele arrepia-se depois de sentir o frio da solidão.
Cola-se à pele a vontade de fazer... Cola-se à pele a vontade de comer pétalas de rosa, abraçar as árvores e viajar pelas nuvens passageiras, plantar uma flor no céu, tocar uma estrela para lhe sentir a luz.
Cola-se à pele esta vontade de ti.

Noite

Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.
Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.
São bairros de escravos
mundos de miséria
bairros escuros.
Onde as vontades se diluíram
e os homens se confundiram
com as coisas.
Ando aos trambolhões
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braço dado com fantasmas.
Também a noite é escura.

Agostinho Neto

domingo, 23 de setembro de 2007

A meu favor

Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer
A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.

Alexandre O'Neil

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Reviver o passado em Sesimbra


A vila piscatória de Sesimbra recupera este sábado (22/09/07) uma das tradições mais marcantes até à década de setenta; a antiga lota, na praia, junto à Fortaleza de Santiago, em frente ao largo da Marinha, local onde funcionou até 30 de Abril de 1973. Por esses tempos, era ali que os pescadores descarregavam o peixe e cada espécie era disposta de acordo com a importância que tinha no mercado.
O peixe-espada branco era estendido na areia lisa, a pescada era colocada em montes, virada de barriga para barriga, o goraz em cima de pirâmides de areia, a chaputa em vedações de caixas de madeira, a albacora em cima das caixa viradas ao contrário e o carapau e a sardinha eram por vezes vendidos ainda a bordo das embarcações.
Este autêntico ritual, prática diária na vila, atraía ao local para além dos compradores, também muitos veraneantes surpreendidos pela genuinidade de todo o processo. A venda do peixe era feita também de uma forma pouco comum; o peixe - a que era atribuído uma primeiro valor para venda - era vendido mediante uma espécie de leilão, em que o pregoeiro, de forma rápida e sem quaisquer enganos, "cantava" os valores pecuniários. Ou seja, imagine-se que a teca de peixe era atribuído valor de 200 escudos; a contagem começava aí e depois ia decrescendo, 199, 198, 197... até que o comprador interessava gritava. "Chui, o peixe é meu".
Numa autêntica lição de história ao vivo, a venda de peixe na antiga lota da praia deverá contar com cerca de uma centena de figurantes, entre antigos pescadores, vendedores e até pescadores.
Para ver, a partir das 15 horas



quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Lavar a alma

(Fotografia alojada em www.sesimbra.blogspot.com)



Sesimbra. Céu e mar no mesmo azul. E de azul também a traineira "Luis Adrião". Sempre azul, abrindo caminho até à doca, deixando rastos de branca espuma que apetece seguir. E um bando imenso de gaivotas que parecem saudar e também guiar a embarcação até ao porto de abrigo. Quem está em terra já sabe; a faina foi próspera. Autêntico ouro sobre azul!
A fotografia cola-se à pele, pela beleza, pela autenticidade e ajuda a lavar alma. Adivinha-se o canto das gaivotas, o cheiro a mar ao amanhecer e o sorriso do mestre Fernando Manso. Adivinha-se a alegria dos outros homens da companha. Pescadores de rosto queimado pelo sol e pelo sal do (nosso) mar, homens valentes nem sempre bem recebidos pelo mar, homens de sorriso franco e grande generosidade, com fios brancos de cabelo e sapiência a espreitarem por debaixo dos bonés... uma imagem vale por mil palavras.
N.B. Mil agradecimentos ao fotógrafo, também pela beleza do momento eternizado pela objectiva.

Maniqueísmos...

Os bons distinguem-se pela grandeza da alma, pela desmesurada bondade, pela imensa capacidade de amar e perdoar, pela tolerância, por não usarem máscaras, pela autenticidade genuína, pela amizade incondicional, por resistirem às tentações maléficas, por respeitarem totalmente o ser humano, por estarem presentes mesmo ausentes, por serem naturalmente bonitos, por - também - naturalmente se colarem à pele.
Os que fingem ser bons tentam copiar os genuínos mas acabam por escorregar numa das achas da fogueira das vaidades, onde descartam e deixam arder também quem já não interessa e não alinha pelo mesmo diapasão.
Os menos bons têm um bocadinho mais de mau feitio mas querem ser melhores e por isso seguem os excelentes exemplos dos bons para aprenderem a perdoar, apurarem a capacidade de amar e tudo o que for importante para sentirem bem, cada vez melhor. É uma jornada longa, é como uma travessia no árido deserto, com final feliz.
Todos eles - bons, pretensos bons e menos bons - têm rostos, têm nomes. Gostava de mostrar aqui fotografias dos bons que eu conheço, revelar nomes, enaltecer-lhes virtudes. A maioria não ia achar graça. Gostam mais de discrição e os menos bons, também. Os outros, não merecem destaque.
Em nome do amor maior que me liga a uns e também aos outros, vou ficar por aqui. As vontades são como os segredos e os tesouros. Há que guardar em lugar seguro.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

À boleia... e totalmente de acordo

"Cada um tem de mim exactamente o que cativou, e cada um é responsável pelo que cativou, não suporto falsidade e mentira, a verdade pode magoar, mas é sempre mais digna. O melhor é ir à luta com determinação, abraçar a vida e viver com paixão. Perder com classe e vencer com ousadia, pois o triunfo pertence a quem mais se atreve e a vida é muito para ser insignificante. Eu faço e abuso da felicidade e não desisto dos meus sonhos. O mundo está nas mãos daqueles que têm coragem de sonhar e correr o risco de viver os sonhos".

Charlie Chaplin

A banda

Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou
Pra ver, ouvir e dar passagem
A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela
A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou
E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor

(Chico Buarque - 1966)

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Solidariedade

O "Correio da Manhã" publica, na edição de ontem, uma verborreia de palavras absolutamente gratuita e muito infeliz, numa pseudo rubrica chamada Voz-off, sob o título "A educação de Rita". Nessa cloaca de palavras acintosas existe um ataque cerrado, brutal e cobarde a um excelente profissional de televisão, Nuno Graciano.
O escrevedor desses miseráveis parágrafos, provavelmente azedado pela ingestão de algo estragado que lhe misturou o metabolismo intestinal com a reduzida actividade cerebral que mostra ter, insulta cobardemente o apresentador da Sic, traça-lhe um perfil quase demoníaco, acusando-o de uma febre de mediatismo totalmente desconhecida. O pindérico juntador de letrinhas do abecedário, munido de uma pena molhada num tinteiro de maldade e estrume, tenta arrasar com o bom nome e imagem de Nuno Graciano, tenta arrastar o apresentador de televisão para becos satânicos por ele não trilhados, com objectivos que escapam ao entendimento do ser humano comum. As razões que levaram o nada inspirado escrevedor a afirmar tais coisas de Nuno Graciano estão abaixo de todos os níveis da dignidade; a dita coluna Voz Off peca pelo nível ordinário, reles, e totalmente desprestigiante para o jornal que lhe dá espaço.
Enquanto autora destas linhas estou duplamente indignada. Por constatar que ainda há quem se aproveite oportunisticamente de uma coluna - num matutino de grande tiragem - como um bocadinho de poder que cai por terra, mediante tanta malvadez e cobardia. Mais indignada ainda estou porque conhecendo pessoalmente o apresentador, por termos trabalhado na mesma equipa, sei bem que atrás das câmaras o Nuno Graciano continua a ser o mesmo homem generoso, de coração grande e alma transparente; um príncipe da comunicação e da solidariedade.
Quem me conhece sabe que tenho por hábito dizer o que me vai na alma. Por isso, Nuno, companheiro, amigo, acredito saberes bem que não há vinagrezito - ou até veneno maior - capaz de corroer estes laços de afecto, respeito e admiração que me ligam a ti.
Um beijo
Adelaide

Livre (Não há machado que corte)

Não há machado que corte
a raíz ao pensamento [bis]
não há morte para o vento
não há morte [bis]

Se ao morrer o coração
morresse a luz que lhe é querida
sem razão seria a vida
sem razão

Nada apaga a luz que vive
num amor num pensamento
porque é livre como o vento
porque é livre

(Carlos Oliveira/Manuel Freire)

Interprete: Manuel Freire

sábado, 15 de setembro de 2007

Elmano Sadino



Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal a 15 de Setembro de 1765, numa casa existente na Rua Edmond Bartissol (número 12), conhecida por Casa de Bocage/Galeria Municipal de Artes Visuais.
Apesar das imensas biografias publicadas após a morte do vate sadino, boa parte da vida do poeta permanece um mistério. Não se sabe que estudos fez, embora se deduza pela obra deixada que estudou os clássicos e as mitologias grega e latina, francês e também latim.
A infância terá sido infeliz. O pai foi preso por dívidas ao Estado quando ele tinha seis anos e permaneceu na cadeia seis anos. A mãe faleceu quando tinha dez anos. Possivelmente ferido por um amor não correspondido, assentou praça como voluntário a 22 de Setembro de 1781 e permaneceu no Exército até 1783, altura em que foi admitido na Escola da Marinha Real, onde fez estudos regulares para guarda-marinha. No final do curso desertou, mas, ainda assim, aparece nomeado guarda-marinha por D. Maria I.
Em 1786 embarcou como oficial de marinha para a India, na nau “Nossa Senhora da Vida, Santo António e Madalena”, passando algum tempo no Rio de Janeiro. De acordo com o "Dicionário de Curiosidades do Rio de Janeiro" de A. Campos - Da Costa e Silva, "gostou tanto da cidade que, pretendendo permanecer definitivamente, dedicou ao vice-rei uma poesia-canção cheia de bajulações, visando atingir seus objetivos. Sendo porém o vice-rei avesso a elogios, fê-lo prosseguir viagem para as Índias".
Já na India, Pangim, frequentou de novo estudos regulares de oficial de marinha. Foi depois colocado em Damão, mas desertou, embarcando Macau. Não há registo de que tenha sido punido e ao que parece regressou a Lisboa em 1790. Se antes de antes, a fama de poeta versejador já corria pelas ruas da cidade, após o regresso, a década seguinte regista a maior produção literária de sempre e também o período de maior boémia e vida de aventuras.
No regresso, em 1790, aderiu - por convite - à Academia das Belas Letras ou Nova Arcádia, onde adoptou o pseudónimo Elmano Sadino. Pouco tempo escrevia já ferozes sátiras contra os confrades. Um ano depois, foi publicada a primeira edição de “Rimas”.
Pina Manique, o Intendente da Policia que dominava Lisboa decide pôr ordem na cidade, e 1797 Bocage é preso por ser “desordenado nos costumes”. Cumpre pena primeiro no Limoeiro, Limoeiro, depois no calabouço da Inquisição no Rossio, e no Real Hospício das Necessidades. Durante a detenção, Bocage mudou o comportamento e começou a trabalhar seriamente como redactor e tradutor, saindo em liberdade no último dia de 1798.
Nos anos que se seguiram continuou a trabalhar como tradutor, com uma frade que gozava das boas graças de Pina Manique. Vive definitivamente em Lisboa, numa casa alugada no Bairro Alto, o nº 25 da Travessa André Valente, na companhia de uma irmã que tinha que sustentar. Vive do trabalho e de pequenas ajudas dos amigos que lhe vendem os livros e lhe arranjam serões e saraus e outras festas para declamar os poemas que tão escreveu.
Bocage faleceu a 21 de Setembro de 1805, devido a um aneurisma. Depois de Camões, é o mais celebrado poeta português. Deixou uma vasta obra, multifacetada, do erotismo ao brejeirismo, da crítica construtiva ao escárnio, o que lhe valeu a atenção especial da censura, tendo visto muitos versos cortados, que lhe cortou muitos versos, outros alterou e muitos simplesmente omitiu tendo sido publicados apenas a título póstumo.
No ano em que se assinalava o primeiro centenário do nascimento do vate, surge no Brasil uma proposta para angariação de fundos para a construção de um monumento alusivo a Bocage. Uma crise financeira no Rio de Janeiro quase impossibilita a acção. Mesmo assim, o principal impulsionador da iniciativa no Clube Fluminense, José Feliciano de Castilho, consegue reunir alguma verba que é canalizada para Portugal. A 22 de Novembro de 1871 a câmara municipal de Setúbal colocou a primeira pedra no monumento, inaugurado a 21 de Dezembro seguinte. O monumento, de mármore branco, mede 12 metros de altura e é formado por uma coluna coríntia em cima de quatro degraus oitavados, tendo sobre o capitel a estátua do poeta, com dois metros, está situado num dos espaços mais nobres da cidade de Setúbal, que também tem o nome do poeta (Praça do Bocage) onde também se situam os Paços do Concelho, para onde curiosamente, o vate está virado de costas.
Em 1868, a câmara sadina tinha já mandado colocar uma lápide comemorativa na casa onde nascera o grande poeta. Mais de um século depois, a autarquia sadina recuperou a casa e transformou-a em espaço de artes/galeria de exposições temporárias.
No entanto, a autenticidade da casa de Bocage, doada ao município, em 1888, pelo industrial francês Edmond Bartissol, foi posta em causa por Adelto Gonçalves, autor de "Bocage, o perfil perdido". No livro, Adelto Gonçalves advoga que o poeta nasceu não ali, mas junto ao Largo de Santa Maria. Segundo o investigador brasileiro, que consultou escritos no mesmo sentido deixados pelo historiador Almeida Carvalho, a consagração da casa em causa terá sido fruto de "uma farsa" arquitectada em oitocentos.
15 de Setembro, data de nascimento do poeta, é feriado municipal em Setúbal.

O autor aos seus versos


Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:

Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz e tirania:

Desculpa tendes, se valeis tão pouco,
Que não pode cantar com melodia
Um peito de gemer cansado e rouco.

Bocage

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Às vezes apetece tanto...

... dar um murro em alguém. E por mais justo que esse murro seja, perde toda a legitimidade por se tratar de um acto de violência. E se for - alegadamente - em legítima defesa, ainda há que provar que houve ataque.
A violência gera ainda mais violência e as guerras começam assim. Guerras surdas, guerras frias, guerras de raivinhas, guerras também de puro oportunismo. E por vezes, quem mais lucra com tudo isso, não é quem deu - alegadamente ou não - um murro mas sim quem melhor soube aproveitar os dividendos criados pela situação.
O ideal olímpico ensina a viver em fraternidade, camaradagem, fair play... E depois entorna-se o caldo, às vezes, com uma simples fervura.
Há dias em que se acorda com vontade de bater de alguém. Dias em que a vida se esqueceu de dar o beijinho matinal de bom despertar. Mas é tão mau pensar assim. Pode-se arrasar alguém e muito bem, com palavras. Quando esse alguém merece! Porque há gente que nem merece o esforço das palavras e muito menos um murro, que até vai fazer doer a mão.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

As bombas são a vergonha da humanidade.
O terrorismo é o expoente máximo da cobardia.
As armas tentam calar a indignação
Os disparos também matam inocentes
Matar nunca vai ser a solução

Cantata de Paz

Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar

Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome
O caminho da injustiça
A linguagem do terror

A bomba de Hiroshima
Vergonha de nós todos
Reduziu a cinzas
A carne das crianças

D'África e Vietname
Sobe a lamentação
Dos povos destruídos
Dos povos destroçados

Nada pode apagar
O concerto dos gritos
O nosso tempo é
Pecado organizado.

Letra: Sophia de Mello Breyner Andresen
Música: Francisco Fanhais
Canta: Francisco Fanhais

E aqui pode ouvir:

http://www.youtube.com/watch?v=pWRLqw-M1Jo&mode=related&search=

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Levem - me esses fantasmas... também

Levem os fantasmas que me assombraram para bem longe, para um sítio de onde seja impossível o regresso. Não preciso deles, não os quero, nem para fechar numa velha mala que já não serve para nada, nem mesmo para os castigar.
Levem-me esses fantasmas e as minhas dúvidas. Deixem-me a dignididade que nunca me roubaram, a minha consciência tranquila, o meu coração de pássaro ferido. Deixem-me a capacidade de ainda acreditar, deixem-me correr atrás do sonho e morder rosas vermelhas de vida e de amora. Deixem-me beber a água fresca das nascentes, cheirar a terra molhada, amar cada pôr do sol, adormecer embalada pelo mar.
Levem-me esses fantasmas. Não me metem medo, mas também não me fazem falta. Eu não faço o que eles querem. Não faço vénias gratuitas, não me ajoelho e muito menos para subir.
Os degraus sobem-se de pé. Como se fossemos árvores. Subir de joelhos é prostituir o corpo e a própria alma.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

São poemas, Senhor...

São palavras,
muitas palavras que se tornam poemas.
São poemas de amor...
amor carnal,
amor maior, amor mais alto,
amor de mãe, amor de filho,
amor de irmão,
amor de amigo!

Em cada coração generoso
existe um poema por escrever.
Há um dia
em que o amanhecer se faz poema
e o poema faz-se amor.
São poemas ocultos no regaço,
São poemas...

Adelaide Coelho

No teu poema

No teu poema
existe um verso em branco e sem medida,
um corpo que respira,
um céu aberto,
janela debruçada para a vida.
No teu poema
existe a dor calada lá no fundo,
o passo da coragem em casa escura e aberta,
uma varanda para o mundo.
Existe a noite,
o riso e a voz refeita à luz do dia,
a festa da Senhora da Agonia
e o cansaçodo corpo
que adormece em cama fria.
Existe um rio,
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco,
a raiva e a luta de quem caiu que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
existe o grito e o eco da metralha,
a dor que sei de cor mas não recito
e os sonhos inquietos de quem falha.
No teu poema
existe um cantochão alentejano,
a rua e o pregão de uma varinae
um barco assoprado a todo o pano.
Existe um rio
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem caiu que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
existe a esperança acesa atrás do muro,
existe tudo o mais que ainda escapa
e um verso em branco à espera de futuro.

José Luís Tinoco

http://www.youtube.com/watch?v=4tvlp2TpiPM

(N.B. Para mim, a versão mais bonita é cantada por Simone de Oliveira)

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Nham Lu

Doce como chocolate, olhar entornado de amor e "sôdade", sorriso lindo de marfim, coração bondoso do tamanho do mundo. É assim a Dona Lu; um dos seres humanos mais bonitos que já conheci. Durante oito anos tive o privilégio de conviver com ela diariamente, saborear as comidinhas feitas com arte e muito amor, receber os abraços também tão doces.
A comida da Lu, da Dona Lu, tem o sabor de comida de mãe. Os "preguinhos" no pão que ela fazia propositadamente para mim nos dias em que mal havia tempo para comer; as iscas grelhadas da Dona Lu, nos dias em que os pratos principais do refeitória da empresa não recolhiam a minha preferência... As moambas e as cachupas, as caldeiradas... têm sempre um sabor especial. Todos os pratos são sempre confeccionados com muito, muito amor. Alimentam o corpo e a alma!
A Dona Lu é um pouco mais velha do que eu; mesmo assim, mal nos conhecemos e logo me senti adoptada como uma filha que ela teria tido numa idade impossível. Quando a via a cozinhar, às vezes mesmo só para mim, sentia-me especial. Percebia que a Lu estava a fazer-me o almoço ou jantar com o mesmo empenho e ternura, como se fosse para os filhos, ausentes, lá longe, muito longe, na terra distante de Cabo Verde. E de todas vezes como eu sentia que a comida da Dona Lu me ajudava a esquecer o lado menos bom do dia, e as caretas da vida.
A Dona Lu é uma mulher muito reservada, tímida, fala pouco, e tem um olhar transparente e terno. É fácil perceber o que lhe vai na alma. Quando logo pela manhã começa a cantar baixinho a morna "Sôdade", já se sabe que as saudades da terra, dos filhos, de toda a família -numerosa - apertam o coraçãozinho ainda mais. Os olhos ficam ainda mais doces mas com outra luz, a luz cinzenta da "sôdade".
A Dona Lu é linda. Hoje faz anos e está de certeza mais jovem, mais bonita. Há bocado falámos ao telefone e percebi que está feliz.
A Dona Lu é muito especial. Parabéns Nham Lu. Gosto muito de ti. Um beijo no coração

Adelaide Coelho

Sôdade

Quem mostra' bo
Ess caminho longe?
Quem mostra' bo
Ess caminho longe?
Ess caminho
Pa São Tomé
Sodade sodade
Sodade
Dess nha terra Sao Nicolau
Si bô 'screvê' me'
M ta 'screvê be
Si bô 'squecê me'
M ta 'squecê be
Até dia
Qui bô voltà
Sodade sodadeSodade
Dess nha terra Sao Nicolau

(Armando Soares)

Canta Cesária Évora

http://www.youtube.com/watch?v=OabD8gr3Hjs