sexta-feira, 22 de junho de 2007

"Via sacra" de beijinhos


Dá um beijinho a esta senhora, que é muito amiga da avó!”. E pronto, lá começava a “via sacra”... Tantas amigas que a avó Adelaide Manso tinha; perdi a conta aos beijinhos que dei e recebi no percurso “casa da avó” - “Loja do sr. Pedro”, “casa da avó” – mercado, “casa da avó” – “qualquer ponto da vila de Sesimbra”. Às vezes, pensava - ingenuamente - que toda a gente tinha saído à rua, só para me obrigar a dar beijinhos...
A recompensa vinha com as idas à praia, os passeios pela marginal e pela praia com o avô Zézinho, os saborosos gelados da Luisa e do Manel Agostinho, as histórias que os pescadores contavam na “loja de companha”, os jantares em família, o sorriso de satisfação lá em casa quando os barcos "voltavam do mar", com o nível da água muito próximo da amurada, sinal promissor de faina próspera.
Desses tempos guardo ainda alguns búzios e conchinhas que encontrei perdidos na praia durante os passeios de fim de tarde com o avô Zézinho. Desses tempos guardo na memória a vista impagável da velhinha casa dos meus avós no Bairro Infante D. Henrique; dali via toda a baía de Sesimbra, o porto de abrigo e até parte da praia. Nessas alturas sentia que aquele mar também era um bocadinho meu e quando estava a adormecer, achava que as ondas me cantavam canções de embalar.
De vez em quando, passo pelo bairro só para olhar para as ruas, para as casas; continua tudo quase igual. Só faltam os personagens que noutros tempos ajudaram a colorir a minha infância. Há um momento repetido muitas vezes, que me apetece partilhar; os passeios de burro que me faziam sentir uma grande cavaleira. Algumas das vezes, já com a bóia a postos, porque a praia era a próxima etapa.
Nos dias de hoje, quando passeio pelas ruas da vila, já não corro o risco de esgotar a reserva de beijinhos com aquelas "senhoras velhinhas "muito amigas da avó", as filhas e as sobrinhas, as vizinhas e amigas das vizinhas... A vida ajudou - no entanto - a preservar algumas destas memórias de bem querer. Numa idade mais adulta fui descobrindo que alguns dos rostos sesimbrenses com quem me cruzava por motivos profissionais, já tinham lugar cativo nas memórias da minha infância. Constatei isso mesmo da primeira vez que entrei na "Loja do senhor Pedro" transformada em pronto a comer e mais tarde, numa conversa informal com a Conceição Morais, na altura presidente da Junta de Freguesia de Santiago. Por isso, é muito natural que lhe deixe aqui um beijinho e um outro à Marizé, também pela simpatia e porque... adivinhem!

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