domingo, 12 de agosto de 2007

A intimidade de Torga no centenário do seu nascimento

Era avesso a entrevistas, dispensava mundanidades, recusava autografar os seus livros e dizia que quem o queria conhecer tinha que ler a sua obra. Mas no centenário do nascimento de Miguel Torga, que se comemora hoje (1907-1995), a inauguração da casa que o escritor habitou em Coimbra, durante quarenta anos, desvenda ao público uma parte do espaço íntimo do Orfeu Rebelde.
A abertura da casa-museu é uma das iniciativas que decorrem durante o dia de hoje, em Coimbra, onde será inaugurado também um memorial ao escritor da autoria do arquitecto José António Bandeirinha e do artista plástico António Olaio.
O espólio da casa, doado pela filha do escritor, Clara Rocha, é constituído pelos móveis, objectos pessoais, quadros e livros de Torga e ainda por um espólio documental composto por verdadeiras raridades bibliográficas. "O espólio (...) foi seleccionado e guardado por minha Mãe e é constituído pelos raríssimos manuscritos guardados pelo Poeta, por alguns dactiloscritos emendados à mão de contos e prefácios e pelas primeiras edições dos livros que o autor assinou ainda com o nome Adolfo Rocha", descreve Clara Rocha, por e-mail ao PÚBLICO.
É na Coimbra dos anos 40 que o escritor, já casado com a professora universitária belga Andrée Crabbé, se muda para casa dos Olivais, depois de ter vivido numa pequena casa na Estrada da Beira, à beira dos laranjais do Mondego, e de ter frequentado a República Estrela do Norte durante o tempo em que estudou Medicina.
Nem todos os espaços que poderão ser agora visitados pelo público permanecem iguais em relação à casa que o poeta habitou, mas a intimidade de Torga é reconstruída de forma fiel: o mobiliário dos séculos XVII e XVIII que o poeta foi adquirindo, a biblioteca pessoal e ainda as várias peças de arte da casa, das quais Clara Rocha destaca a pintura Ceifeiro de Dordio Gomes. "Foi oferecida a Miguel Torga pelo próprio pintor depois de ter lido o capítulo sobre o Alentejo no livro Portugal", refere.
O jardim, no entanto, apesar de ter sido arranjado, está ainda assim longe de ser o que era. Clara Rocha recorda as belas colecções de flores dos Países Baixos que eram cultivadas pela mãe na parte da frente, como tulipas, narcisos e anémonas, e que hoje não fazem parte do jardim. Há, no entanto, uma planta que permanece no local e que sobreviveu décadas e décadas: uma torga, a urze típica das serras de Trás-os-Montes que o poeta adoptou para pseudónimo, e da qual o médico Adolfo Rocha arrancava todos os dias um pedaço para levar para o consultório, no Largo da Portagem. Eram os fragmentos do "reino maravilhoso" de Trás-os-Montes que o poeta gostava de conservar na cidade onde viveu a maior parte da vida.

In www.publico.pt (12/08/07)

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