sexta-feira, 10 de agosto de 2007

O voo (mais alto) da gaivota

Da ponta de Sagres ao Cabo Espichel, do cabo de S. Vicente a Finisterra, incansável a gaivota vai voando e sobrevoando o mar. Conhece de cor cada cabo, cada promontório, cada enseada. Todos lhe servem de abrigo, todos lhe servem de lar. E cada mar circundante é mesa farta, para almoço e jantar, e sempre que tiver fome.
Sempre que sobrevoa um sítio onde existem seres humanos, a velha gaivota dá um grito, feito saudação. Sempre que no caminho lhe surge um barco de pesca e se estiver carregado, ela faz-se convidada para a festa.
Nos dias em que acorda mais bem disposta - e isso só acontece quando lá longe, mar e céu se fundem no mesmo azul imenso dourado pelos beijos do sol - a gaivota ensaia outros voos, mais altos, para aproveitar a boleia das nuvens passageiras. E as nuvens estão tão altas, tão altas, tão altas, que a velha gaivota, por vezes, já tem dificuldade em alcançar, de um só voo. Quando lá chega descansa, descansa muito, e só regressa quando a fome aperta.
É agora... a gaivota tem fome, muita fome, demasiada fome, e inicia o voo de regresso ao mar. Saciada a fome e a sede, recomeça o percurso do costume. Desta vez com alguma ansiedade e muita pressa. A velha gaivota quer visitar todos os cabos, promontórios e enseadas e vai terminar a viagem em Finisterra.
Depois de muitos voos cansativos, a gaivota chega finalmente a Finisterra. Olha as nuvens que vão passando. A mais bonita - e também a mais alta, muito mas muito alta -deixa passar um imponente raio de sol, como se fosse uma piscadela de olho.
A gaivota segue o rasto da piscadela e grande nuvem... não olha para trás, não gosta de despedidas. E voa, voa, voa, como se fosse a última vez.
Eu também não gosto de despedidas mas tão pouco sou como a gaivota...
Quando eu morrer, aqueçam-me nos fornos da dignidade e nos outros também e depois, levem-me para o mar.

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